A areia é o segundo material mais consumido do mundo, atrás apenas da água. Um relatório do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) aponta que cerca de 50 bilhões de toneladas são extraídas por ano, número que cresceu significativamente nas últimas duas décadas e deve continuar aumentando.
Composta principalmente de quartzo, um material estável e resistente, formado por silício e oxigênio, a areia tem diversas aplicações industriais, como a construção civil e a produção de cimento, vidro e cosméticos. Entretanto, a demanda elevada faz dela um recurso cada vez mais escasso, com grandes danos socioambientais ligados à sua extração.
Escassez de um material abundante
De uma maneira geral, a areia é um material abundante e disponível em quase todas as partes do mundo.
“O que a gente não tem é a areia com as propriedades e características que a gente precisa para a aplicação no material”, afirma Lidiane Santana Oliveira, doutoranda em Engenharia Civil na Escola Politécnica (Poli) da USP.
Para a construção civil, por exemplo, uma das maiores consumidoras do produto, a areia de desertos não é adequada.
“Por conta dos processos de erosão causados pelo vento, ela é uma areia muito esférica, a superfície é muito lisa, então essa é uma areia que não tem a rugosidade necessária para a produção de materiais cimentícios”, explica Lidiane.
Os Emirados Árabes, por exemplo, que ficam em uma região de desertos, esgotaram suas reservas de areia, por isso precisam importar o material. Segundo a pesquisadora, a escassez também tem se tornado um problema na região metropolitana de São Paulo.
A expansão das áreas urbanas demanda maiores quantidades do recurso, mas as licenças ambientais são concedidas em lugares cada vez mais afastados dos centros consumidores.
“Quando a gente fala de escassez, tem que olhar a particularidade da região e se é por conta da alta demanda ou das características do material que se deseja”, afirma.
Impactos socioambientais
Além da escassez, outro problema identificado no relatório do PNUMA é a degradação do meio ambiente. Lidiane explica que a extração de areia acontece principalmente nos leitos de rios, leito marinho ou em cavas. Esse processo gera resíduos, poluição e contribui com o desmatamento da vegetação e outras alterações que podem causar perda de biodiversidade.
Para Lidiane, a extração de grandes volumes se torna ainda mais grave quando feita de forma irregular, sem seguir a determinação e a fiscalização ambiental.
“Apenas 30% da areia consumida no Brasil foi extraída de forma regular”, afirma.
A pesquisadora cita o exemplo do rio Jacuí, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), onde é retirada mais areia do que o permitido, o que provocou o aprofundamento do rio. Entretanto, esse não é um problema exclusivamente brasileiro.
“É estimado que, no mundo, apenas 40% da areia extraída e consumida é de fonte regular”, comenta Lidiane.
Cerca de 25 ilhas na Indonésia desapareceram por conta da extração intensiva.
Há outros danos, como desmoronamentos e prejuízos em atividades como pesca e turismo. O mercado lucrativo também atraiu criminosos e a “máfia da areia”, conhecida como uma das organizações criminosas mais poderosas e violentas do mundo, responsável pela morte de ativistas, mineradores e jornalistas, principalmente na Índia.
Alternativas
Lidiane explica que alguns materiais podem ser reciclados e então utilizados como substitutos de areia. É o caso, por exemplo, do Resíduo de Construção e Demolição (RCD). Estudos indicam que, após algumas etapas de processamento, o RCD pode resultar em um material com qualidade similar à de uma areia ou brita natural.
Outra possibilidade é o pó de brita, gerado no processamento da rocha para extração de brita. Segundo a pesquisadora, o pó tem algumas características diferentes da areia, mas pode ser utilizado em certas composições de concreto e argamassa.
Há ainda a alternativa dos rejeitos da mineração, como o rejeito do minério de ferro. Lidiane participa de um dos estudos que mostram que esses rejeitos podem ser utilizados como substituto da areia.
“A questão é a disponibilidade local”, pondera. “Determinados tipos de rejeito estão localizados principalmente em Minas Gerais, então tem um desafio logístico a se vencer para poder ampliar o mercado”, acrescenta.
Mesmo com essas alternativas viáveis e promissoras, a pesquisadora destaca a importância da fiscalização e do consumo consciente.
“[A solução] é usar o recurso de uma forma mais consciente, melhorar a eficiência do processo produtivo e com isso diminuir a produção de resíduo. E valorizar estudos que possam ajudar na melhoria do sistema construtivo”, completa.
Fonte: https://ocp.news/economia/pode-faltar-areia-no-brasil-alerta-especialista
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